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Amor urgente e necessário chega de graça,
e entusiasma a alma.

quinta-feira, 29 de novembro de 2007


Férias e afeto


Final de férias. Ao se despedirem dos monitores, crianças e jovens choravam copiosamente. A cena impressionou porque os pais não sabiam exatamente o porquê das lágrimas. Demanda de afeto?

É usual crianças e jovens passarem férias em hotéis de luxo, ou com certo luxo, quando ficam dia e noite entregues aos monitores. Esses inventam brincadeiras para todos os gostos e idades, num frenesi sem fim. Futebol, basquete, tênis, shows, ping - pong, torneios, passeios e muito mais. Claro que é ótimo que os filhos se reúnam em grupos com pessoas novas, experimentem atividades diferentes. Mas a meninada fica tão envolvida que acorda e já quer tomar café com os novos amigos. Família, nem pensar. Para muitos pais essa distância cumpre a fantasia das férias ideais: esparramam-se na areia e nas cadeiras e se entregam às delícias do mundo gourmet, bebendo e conversando sem serem incomodados pelos filhos.

As crianças e os jovens se encantam com os monitores porque estes são bem treinados e selecionados, são carinhosos - desenvolvem um jeito próprio de se comunicarem, criam apelidos, piadinhas, não brigam, não apelam e incentivam a participação, brincam sem ofender, são pacientes e compreensivos. Ou seja, lá constroem o paraíso - lugar onde o ser humano nunca é cobrado, confrontado, ameaçado ou criticado.

Mas se o dia-a-dia nas metrópoles é uma correria, férias não deveria ser oportunidade para pais e filhos se curtirem? O discurso predominante é a falta de tempo. Depois os pais reclamam - não entendem porque os filhos são frios e distantes. A boa relação se constrói dia após dia. Relacionamento aprimora-se, boa convivência é conquista eterna e árdua. Laços afetivos demandam tempo para se solidificarem. A qualidade do afeto se conquista num continuum - cotidiano que demanda presença e que não basta apenas desejar.

A máxima de dizer que o importante é a qualidade da convivência, geralmente desobriga muitos pais de se envolverem e de se implicarem na educação dos filhos. É necessário tempo para ouvir, sentir, perceber e entender o outro. A pressa, acrescida do ideal de perfeição, dificulta as relações entre pais e filhos. Cumplicidade acontece num processo afetivo e exige morosidade. É preciso descobrir formas de multiplicarmos o tempo, afinal sempre encontramos um tempo para a novela, o boteco, academias e shoppings. Já é hora de aprendermos a priorizar as tarefas e obrigações da vida, desdobrando-as de forma que o tempo chegue a todos. Conflitos e afetos se entendem, o difícil é administrar conflitos sem amor e sem disposição. Tempo, quando o desejamos, criamos. Com boa vontade, tudo será contemplado, temporalizado.

Geralmente, nos hotéis, ao passar grande parte do tempo com monitores, a garotada acaba estabelecendo vínculos afetivos. Embora frágeis e efêmeros, causam sentimento de perda quando se rompem. O choro denuncia a falta - vazio que um encontro fugaz deflagra e escancara. Todos nós demandamos afeto, carinho, gente que se interesse por nós - gostamos de ser reconhecidos, lembrados, notados. Muitas crianças são invisíveis aos olhos dos pais, contudo, aquele que chega e oferece atenção, abastece, conforta - promessa de alegria, esperança e felicidade.

Paternidade e maternidade exigem dedicação constante - até certa idade vigilância permanente - o que não devemos confundir com policiamento, punição. Mesmo quando tudo parece estar bem, quando os filhos parecem estar se divertindo, há coisas acontecendo que só podem ser percebidas e sentidas de perto. Observar como os filhos se comportam, entre os outros, além de ser prazeroso, é, também, uma forma de conhecê-los. Há muitas coisas não ditas que podem ser compreendidas num olhar lento, sem pressa Apreciar - ter apreço pelo que o filho faz é, também, uma forma de dizer que o ama. As relações de amor merecem e precisam de investidas diárias, espontâneas, verdadeiras – posto que cheguem de graça e afetem mentes e corações.

terça-feira, 20 de novembro de 2007


Amores Urgentes


A primeira experiência de satisfação do ser humano é com o seio materno. Aprendemos a amar com aqueles que nos amaram. Amor de mãe é vetor, sem ele caminhamos perdidos. Toda criança precisa se sentir reconhecida por aqueles que a cria, senão é como seguir trilhas sem saber onde tudo começou. Os filhos sempre dirigem à mãe o olhar de agradecimento ou revolta, sempre reivindicam esse amor fundamental, matricial.

O amor é um sentimento universal que não deve sair de moda. Ele rompe fronteiras sociais, étnicas, estrutura o sujeito e viabiliza a construção de uma existência mais bonita e prazerosa. O amor é fundante das relações humanas - seja com o filho, amigo ou aluno. Sem uma transferência afetiva as relações não se desenvolvem e nem avançam.

A crise ética na qual a sociedade brasileira está imersa se explica, em parte, pela ausência de implicação dos pais na educação dos filhos - falta de rigor na transmissão das leis e regras. A humanidade está pagando caro por um modelo de vida que se estrutura na cultura da permissividade e no pensamento operatório, pragmático. Educação de filho demanda tempo, afeto, olhar atento e determinado. Coragem e empenho ao impor limites, cobrar obediência e responsabilidade.

O amor não pode ser preguiçoso, é sentimento que demanda mais que beijinhos e presentes. É relação trabalhosa e exige convivência com trocas e intimidades. Intimidade não se constrói de repente, é continuum - um ir e voltar, ora gostoso, ora difícil. Amor pelas metades não é promessa de muita coisa. A cumplicidade entre pais e filhos requer muita com –versa (pais versando com o filho impressões sobre a vida).

Ao priorizarmos a qualidade do afeto e do amor e não as condições materiais, ao nos orientarmos mais pelo interior e menos pelo exterior - quando a felicidade for sinônimo de relações humanas menos competitivas - aí sim poderemos aspirar à uma vida satisfatória e salutar. Enquanto mães e pais se interessarem mais pelos objetos de consumo e menos pelos enigmas que fundam uma criança, mais esta distanciará de sua matriz identitária - fonte de prazer. O lugar de onde emana desejo e sedução, promessa de laços afetivos consistentes, é parte de nossa gramática amorosa.

A cartografia da sexualidade, paixão pelo existir, entusiasmo pelo criar e coragem para enfrentar dificuldades, inicia-se quando nascemos. Força que pulsa, atravessa a Esfinge e suporta os mistérios formulando uma saída própria. Muito do desinteresse do jovem atual em lutar por um ideal, do tédio e desalento do qual é vítima, advém da forma como sua vida afetiva e sexual foi conduzida.

Um bebê não pode se prestar a objeto de consumo emocional dos pais. Objetos de consumo a gente demanda, filhos a gente deseja, planeja. Nascimento de um filho é coisa séria, epifania, momento épico. Não podemos desacostumar da tradição de reverenciar a vida que se inicia. A banalização da maternidade na sociedade atual assusta. Filho é ser humano que requer cuidados especiais – amor necessário que está se perdendo e que devemos recuperar urgente, senão é como contratar confusão e sofrimento.

terça-feira, 6 de novembro de 2007


Desejo e depressão


A mãe chega ao consultório de psicanálise preocupada e decepcionada com a filha adolescente. A garota não quer comer direito e só belisca bobagem - vive entediada, desolada e preguiçosa. Não se interessa pelos estudos e passa o dia no computador, ao telefone ou trancada no quarto ouvindo música. Depressão ou vagabundice? O que faço? Indaga a mãe num misto de raiva e pena. Para quem criou a filha vislumbrando um futuro de sucesso, o chão abriu-se em cratera.

Pesquisas apontam para um aumento no índice de depressão entre crianças, jovens e adolescentes. Entre os fatores levantados como responsáveis por tal fenômeno, destacamos o sentimento de desamparo provocado pela sociedade atual: globalizada, consumista e competitiva. A existência humana tem se transformado num eterno plano de metas imposto pelo mercado. A criança é desde cedo cobrada e incentivada a se adaptar e adequar-se às exigências da vida moderna. Cada vez mais cedo, é submetida a um ritual de tarefas. Os pais exigem dos filhos, seja na escola, no balé ou no inglês, resultados. Esses, sufocados e sem saber como reagir, sinalizam sintomatizando (sentindo-se mal) - expressando no corpo mal-estar, angústia e tristeza. Muitos desses sintomas estão sendo diagnosticados como depressão. Importa denunciar o descontentamento da criança ou do adolescente com tudo que lhe é imposto – estilos e modismos que não lhes conferem sentido.

É preciso estar atento para não nomear de depressão qualquer sentimento de indolência e falta de entusiasmo. Quando o coração pulsa sem fé, com preguiça, é mais uma falta de crença na vida que o cerca. Devemos repensar o cotidiano dos filhos - valores e cobranças. Quanto mais desrespeitamos os desejos, mais expostos e vulneráveis ficamos às doenças. O bem viver diz do bem amar e do bem fazer. Quando executamos tarefas que gostamos, um mundo de alegria e entusiasmo se abre. E quando nos vemos em atividades que não nos transmitem sentido, somos invadidos por um sentimento de perda – perda de tempo e de identidade.

O desejo humano é do campo do singular, não é passível de ser massificado e explorado como mercadoria. Cabe aos pais lembrarem que cada sujeito é um - cada qual com suas indiosincrasias e subjetividades. Há sentimentos que nos corroem por dentro, aniquilando-nos em nossa essência e subjetividade. Desmotivar é perder o motivo de viver.

A falta de sentido faz parte da lógica do mercado. O sentido de consumir é conferido pelo processo de espetacularização da mercadoria. A função do espetáculo é seduzir e enfeitiçar os consumidores. O feitiço consiste em manipular desejos e escolhas, interesses e vontades.

Lembramos aos pais que o futuro dos filhos é tarefa lenta e trabalhosa, conquista de longo prazo. Tarefa para muitas batalhas travadas na interioridade. As saídas possíveis começam no respeito aos interesses dos filhos, orientando-os e ajudando-os na realização dos sonhos. Momento em que potencializamos as chances deles se darem bem na vida e se tornarem bons profissionais. As escolhas em consonância com os desejos garantem saúde, nos tornam seguros e confiantes - e nos protegem da tristeza. Todo ser humano precisa se sentir reconhecido naquilo que faz. Quanto mais de nós colocamos naquilo que fazemos, mais abrimos portas e ampliamos os caminhos do bem viver. Quanto mais o sujeito acredita em si, mais se fortalece e desmitifica utopias e vence barreiras. Reivindicar reconhecimento é reivindicar identidade, humanidade, felicidade. Sucesso.


Apuros na escola


A tia chegou para pegar a sobrinha na escola e foi surpreendida com a comemoração do dia dos pais. A menina, em apuros, mais que depressa, convidou-a para desempenhar o papel do pai. Nas entrelinhas, pensou: “É verdade, meu pai não convive comigo, mas minha tia cuida de mim”.

Entre tantas situações que a sociedade de hoje nos mete, há uma que chama atenção - o despreparo das escolas em lidar com os novos formatos familiares. O mundo mudou - avançou ou recuou, pirou ou melhorou, não importa aqui julgá-lo, o fato é que grande parte das crianças não é gerada num contexto familiar “certinho e completo” como antigamente. Muitos lares são monoparentais – mães que assumem ter um filho, independente de contar com o apoio do pai da criança, ou o contrário. Há também que se considerar a gama de inovações de grupos domésticos.

Contudo, é de se estranhar que haja escolas que não estejam preparadas para receber as crianças deste encantado mundo hipermoderno. A novidade já é velha, desde muito a liberdade sexual chegou para ficar, e a pílula expandiu raízes - a reprodução desembarca da ciência nos laboratórios in vitro. Não cabe aqui debater se os avanços da tecnociência serão benéficos para a humanidade, se o bebê made in proveta contará com garantias e promessas maiores de sucesso. A questão é convidar as escolas, diante das novas modalidades familiares, a se atualizarem a despeito de fazer alunos “pagarem micos” em eventos démodés.

A criança não pode ficar exposta a critérios equivocados que trazem desconforto. Devemos lembrar que para ela é pesado suportar a ausência do pai - figura que a mitologia consagrou e a psicanálise confirmou em relevância tanto simbólica como real. Contudo, é fundamental sabermos lidar com questões que envolvem o sofrimento diante de situações que expõem faltas, carências e necessidades. Longe de preconceitos, cabe a todos apoiarmos as opções familiares, uma vez que as crianças não podem ficar a mercê de critérios retrógrados, conservadores e moralistas. Que tal as escolas abolirem a comemoração dessas datas substituindo-as por outras formas de confraternizações? Não seria o momento de comemorarmos o dia da nova família, versátil e democrática, quando todos os grupos de convivência doméstica seriam contemplados, tanto nas escolas como nos clubes, que também ainda resistem em adequar suas cotas aos novos formatos familiares? Salvemos as crianças dos preconceitos e constrangimentos, assuntos como esses devem ser tratados com respeito e delicadeza. Essas datas mexem com os açucares da meninada, situações que o mundo moderno inventou a despeito do desejo da criança. Contudo merecem nossa atenção e sensibilidade.


Amor aos pedaços


Na pista de dança eles se encontraram. Embalados por um som metálico que jorrava das caixas de som, dançavam. Esbarraram-se e ali mesmo se beijaram. O próximo destino foi um lugar afastado que culminou numa transa. No dia seguinte, nem um nem outro lembrava o nome do parceiro.

Um dos sintomas que a sociedade atual denuncia, e que é lamentável, é a banalização do amor. O amor romântico foi tragado pelo amor fast food tornando-se produto descartável para consumo rápido. Na cama do amor moderno o nome do parceiro pouco interessa. O que subjaz à alta rotatividade nas relações afetivas?

As relações efêmeras não acontecem por acaso, elas fazem parte de um projeto de sociedade em que tudo deve ter vida curta. A rotatividade interessa ao capitalismo na medida em que provoca nas pessoas uma obsessão pela velocidade. A velocidade move o consumismo criando falsas necessidades no mundo dos objetos descartáveis. No amor também é desastrosa, pura devastação.

Contudo, devemos questionar o que está por trás da nova idéia de amor que descaracteriza e vulgariza o encontro amoroso. As relações sexuais em que os parceiros não se interessam em estabelecer um mínimo de intimidade revelam o processo de banalização que marca nossa era e que alguns pensadores nomearam de pós-humano.

Longe de querer criticar a nova ordem amorosa de forma moralista, chamamos atenção para o quanto esse modismo pode custar à garotada. Muitos, para não se sentirem fora de moda, acabam topando e se submetendo, sem avaliar as conseqüências, ao novo modelo de relação sexual. Muitas garotas confessam que, no fundo, o que elas gostariam era de se sentir amadas e valorizadas pelo parceiro, e não ser mais uma na agenda sexual.

Cabe aos pais e educadores refletirem com a garotada - até que ponto permitir que os mercadores do sexo conduzam os sentimentos, direcionando-os a ponto de decidirem como devemos gozar, intervindo na vida emocional e afetiva? A moçada precisa amadurecer a capacidade de suportar os percalços dos encontros e enamoramentos. Quem se lança no campo do afeto está exposto às frustrações. Quando um dos parceiros se sente preterido é desastroso – abri-se ali uma ferida narcísica que requer sabedoria no reparo. Amor não é garantia de prazer o tempo todo. Contudo, para quem está se iniciando nessa seara complicada da vida, sensibilidade e cautela são mais que necessárias.

Amor aos pedaços, sem nome é heresia pós-moderna, de mau gosto e que devemos combater. Apostar no outro como meio de prazer e companhia, cumplicidade e solidariedade é salutar, promessa de bem viver. Mesmo entre os jovens, devemos incentivar relações mais consistentes, menos efêmeras. Rodízio pega bem nas churrascarias.

O amor exige morosidade, é sentimento dialético, desdobrável - que vai e volta. Não desliza em pista de corrida de forma linear e transparente. Amor que satisfaz, contorna, percorre curvas, buracos e fendas. Amor focinheto gosta de enroscar e derramar a alma no colo da pessoa amada.


Cadê o pai?


Ele não tem filho e começou a namorar uma moça que tem um menino. Este, somente aos cinco anos, conheceu o pai biológico porque a mãe entrou na justiça pelo reconhecimento da paternidade. O menino, que não estabeleceu vínculo forte com o pai, acabou tecendo laços afetivos com o namorado da mãe. Apesar do namoro se romper, o ex-namorado manteve a relação com o menino que até hoje o chama de pai.
Essa história coloca em cena o quanto é importante, para a criança, que alguém cumpra o papel de pai. Pai é aquele que enoda com o olhar e estreita nos braços. Não importa se o pai é empresário ou desempregado, silencioso ou carinhoso. A expectativa que a palavra pai provoca nos filhos é sempre de segurança, de quem protege e orienta. Eles sempre esperam do pai paciência, compreensão, lealdade. Pai mitologicamente é representação de referência, vetor - o experiente que conduz, sabe dizer sim e dizer não, permitir e proibir.

Sabemos que grande parte dos lares hoje são monoparentais, em muitos deles é a mulher quem exerce a função paterna. Importa registrar que, mesmo que o mundo vire de cabeça para baixo, os filhos vão querer saber: cadê meu pai? Uma coisa é certa: a garotada sente uma falta danada desse sujeito meio em extinção, haja visto os pais de aluguel, de quem os garotos não querem abrir mão.

A questão é chamar atenção para a importância da figura paterna. Ser pai num mundo que convoca o homem o tempo todo para a competição, que cobra dele sucesso financeiro, posição social e sexual, não é fácil. Se ele não empenhar sua imagem nesse modelo, poderá sentir que fracassou. Como convencê-lo de que seu sucesso não pode custar o fracasso do filho? Temos certeza de que um filho bem amado pelo pai, que pode com ele contar e desfrutar de sua companhia, jamais irá reivindicar na justiça a herança que esse não foi capaz de lhe deixar. No entanto, o contrário já ocorreu: o filho cobrar judicialmente o carinho que não recebeu do pai.

O homem precisa fazer jus aos significantes que definem o imaginário da paternidade – instância fálica que simboliza autoridade e peça chave na estruturação do sujeito. Sem passar pelo simbólico, nenhum pai vai conseguir impor autoridade. Há pai que deixa a criança sedenta de afeto. Faz promessas e não cumpre, nem explica por que não pôde cumprir. Muitos homens, separados, arrumam outra família e aproveitam da situação para abandonarem os filhos. Longe de moralismos, interessa reforçar a importância da presença e do carinho dos pais na formação e desenvolvimento psíquico dos filhos.

O mundo está cada vez mais povoado de jovens sem educação, violentos e criminosos, que divertem-se espancando e roubando. Com uma educação consistente, mães e pais atentos, crianças bem providas de afeto, conquistaremos um mundo menos violento. Pais, mãos à obra, essa tarefa é de vocês e carece ser cumprida. Nem todo garoto conta com a sorte de se deparar, pela vida afora, com um pai - seja biológico ou não, casado ou não – que o acolhe e o ame. Como fez aquele bom rapaz.


Perfil: Inez Lemos



Nasci numa fazenda do interior de São Paulo onde vivi até os 6 anos. Uma infância desfrutada entre animais e gente simples. Tudo brotava da natureza - dos alimentos às brincadeiras. Refrigerante e outros produtos industrializados eram raridade. Diversão era disputar corrida sobre cavalos, pescar lambari no riacho, capturar frango no quintal para matar e depenar, dormir em colchão de palha com as primas. Contudo, o destino de morar na cidade, a vida urbana e a promessa de progresso irrompem o sertão que habita em todos que lá nascemos.

Em São José do Rio Preto, morei até os 18 anos. Estudei num colégio de freiras onde sempre me sentia deslocada. Nunca gostei da cidade, tampouco do colégio cuja madre superiora sempre confundia meu nome. Fato que atestava discriminação e explicitava desconforto diante de uma sociedade de classes e racista. Por meu pai representar o lado pobre da família, era natural o desinteresse da religiosa. Encabulava-me a ausência de alunas negras e pobres num colégio que pregava religiosidade. Quando fiz 18 anos, saí de casa. Estudar fora era o sonho da maioria dos jovens daquela época. A moda era morar em repúblicas, fazer faculdade e conquistar a liberdade longe da moral “apregoada pela burguesia”. As palavras de ordens eram autonomia e independência. Sonhávamos em provar ao mundo capacidade em vivermos segundo desejos e escolhas. Com uma mesada apertada, parti para nunca mais voltar.

O roteiro iniciou-se por Ribeirão Preto, passou por Campinas e finalizou-se em Belo Horizonte. A meta era avançar na geografia da terra e da alma. Buscava um lugar onde pudesse viver distante dos valores estabelecidos pela tradição latifundiária. Admirava as famílias que cultivavam o hábito da boa leitura. O acesso aos livros exigia sacrifícios - caminhar alguns quilômetros debaixo de tórrido sol até a biblioteca pública. Nos livros descobria afinidades, legiões. Sempre reivindiquei da vida além de um bom casamento e filhos saudáveis. Idealizava tornar-me grande escritora, contudo nunca fui bem orientada e iniciei-me por portas equivocadas. Desejava cursar letras, mas demoveram-me argumentando que era “curso espera marido”.

Na UFMG concluí o curso de biblioteconomia iniciado em Campinas. Decepcionada, pois julgava que sairia expert em literatura, resolvi cursar história. O período era de efevercência política – ditadura militar na América Latina. Logo nos primeiros períodos do curso, iniciei-me como professora de história. A questão era se engajar em movimentos que denunciavam exploração e autoritarismo. Ideais que imperavam numa juventude aguerrida e esperançosa, norteada por uma consciência marxista e feminista. Destemida, juntava-me aos revolucionários e militava pelo fim da ditadura.

Em 1985, chocada com a apatia dos alunos de história de colégios públicos como privados, inicio o mestrado em educação na FAE/UFMG. O objetivo era pesquisar o desinteresse dos jovens (geração AI-5) pela política e pela história. Desinteresse que acabou se traduzindo em tédio, desalento e descrença que hoje culminam em atos de violência e criminalidade, deflagrando uma relação entre frustração e infelicidade.

Em 1995, já com uma carreira de professora em cursos de educação fundamental, graduação e pós-graduação, resolvo pensar um projeto para o doutorado. Perplexa com os rumos da educação na chamada pós-modernidade, decido pesquisar os fatores que estariam provocando a violência entre os jovens de classe média - famílias abastadas que se envolvem na criminalidade, brincando de espancar índios ou mendigos, prostitutas ou negros. Com um objeto demasiado subjetivo, acabei buscando na psicanálise subsídios teóricos para repensar a questão. Encantada com a contribuição desta, abandono o doutorado e completo a formação, iniciando-me no ofício de psicanalista em Belo Horizonte. O percurso transdiciplinar possibilitou-me uma leitura ampla e complexa sobre os sintomas - as chamadas patologias da falta e do excesso: bulimia, anorexia, toxicomania, obesidade mórbida, gravidez precoce, excesso de consumo, vícios cibernéticos (internet), desrespeito e intolerância (atos racistas), indisciplina, violência e criminalidade. Tentando expandir o campo de reflexão e contribuir com o desafio da educação na sociedade de consumo, passo a escrever artigos debatendo os sintomas da sociedade contemporânea. Depois de alguns anos publicando no caderno Pensar do jornal Estado de Minas, e no intuito de atender aos leitores, resolvo reuní-los no livro Pedagogia do consumo: família, mídia e educação (Autêntica). Tanto o blog quanto o livro resultaram de uma demanda dos leitores por orientação na condução da educação na atualidade. Desafios colocados pelo mundo da tecnociência e do espetáculo, midiático e desregulamentado. Com esse relato e cenário, evoco Pasteur: “Um pouco de ciência nos afasta de Deus, muito nos aproxima”.


Perfil: Eliane Dantas



Na minha infância, em Belo Horizonte, dois recantos me fascinavam. O sítio de minha avó com dezenas de árvores frutíferas onde eu podia me fartar com frutas deliciosas, subir em árvores, me encantar com a natureza. E a biblioteca da casa de meus pais, que eu apenas contemplava. As coleções e os clássicos eu olhava mais como obras de arte que objetos de uso. Pareciam-me inalcançáveis. Era como um rio sem ponte e, como atravessá-lo, não sabia. As palavras permaneciam silenciadas.

No ginásio minha redação era um desastre. Envergonhava-me saber que as palavras não deslizavam pelo papel. A dificuldade com o português me levou a ter aulas particulares com uma professora que me fez gostar de gramática. Era o primeiro passo.

Na época de prestar vestibular, quanta indecisão! Havia muitos cursos pelos quais eu tinha curiosidade। Com tanta dúvida, fiz um teste vocacional. O resultado apontou até engenharia, uma vez que era boa em matemática, mas comunicação não era aconselhável. Apesar do resultado, foi o que escolhi. O teste era incapaz de ler o meu desejo.

Entrei para a escola de Comunicação/Publicidade। Mas como os amigos e a cidade me seduziram mais que os livros, peguei o diploma sem me sentir orgulhosa। Paralelamente, trabalhava como palhaça de uma companhia que animava festas। Escondida numa fantasia, ensaiava para enfrentar a vida।

Ao descobrir que esforço constrói muito mais que talento, decidi encarar a realidade com lucidez e superar deficiências। Fui estudar português com uma professora que conhece o verdadeiro sentido da educação: sonhava comigo o meu sonho। Comecei a escrever crônicas। Como dependia dos livros para tirar substrato e tecer minhas composições, descobri a leitura। O olhar que lançava sobre as pessoas, as situações e os lugares mudou, o mundo expandiu। Queria investigar, indagar, compreender.

Ganhei coragem। Morei no Rio e trabalhei nos bastidores da TV Globo, onde entendi como se fabrica mitos। Deixei o emprego para conhecer a Europa। Em Londres, fui empregada de uma família de negros. Cuidava de duas crianças, arrumava a casa e só podia comer depois dos patrões. Vividas algumas experiências, pus uma mochila nas costas e me aventurei pelo continente. De volta ao Brasil, trabalhei com publicidade, eventos, moda, crianças, idosos e até campanha política, quando descobri o mise en scène que alguns políticos fazem para ganhar votos.
Paralelamente, mergulhava nas artes - cinema, teatro, dança – para extrair belezas e lapidar minha formação। Cada espetáculo deixava algo ressonando - fragmentos que aperfeiçoavam meu olhar, meu sentir, meu saber.

Voltei para a faculdade para cursar jornalismo, meu filho Rafael era ainda um bebê। Entre as mamadeiras e as buscas, ganhei outro presente: um velho amigo me convidou para escrever uma coluna semanal no jornal de sua cidade। Semana após semana, tinha oportunidade de me desafiar, aprimorar .

Continuando a caminhada em direção aos meus sonhos, fui trabalhar em uma escola particular como assessora de comunicação। Nesta escola, que é democrática e aposta na autonomia, ganhei liberdade para dizer o que penso, para arriscar, errar e não me envergonhar। Lá entendi para que realmente serve uma escola। Não para afogar o aluno com informações que são descartadas depois da prova, mas para formar gente crítica ए atuante

Envolvida com educação, percebi como as relações humanas me fascinam, como muitos dos problemas pelos quais a sociedade moderna lastima é fruto da negligência dos pais, da falta de afeto, egoísmo e insensibilidade para com o sentimento e as necessidades do outro.
Ávida por expressar minha indignação, falar da beleza que me toca, preocupada com os rumos de um país imerso numa crise ética, movida pela utopia de colaborar para a construção de uma sociedade mais afetiva e respeitosa, me lanço neste projeto. Um espaço para levantar reflexões que atuem como sementes, disseminar palavras que provoquem consciência e possibilidades - alertas na prevenção do sofrimento e dor das crianças e dos jovens. Afinal, o que nos confere sentido é a vida entrelaçada com a família, os amigos e outros amores, numa prática que valoriza o coletivo.