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terça-feira, 29 de janeiro de 2008


Carnaval, mídia e gravidez precoce


A campanha do carnaval de 2008, veiculada pelo Ministério da Saúde e espalhada pelo país em outdoors, exibe a seguinte mensagem: Quem é bom de cama usa camisinha. E pergunta: Qual é a sua atitude na luta contra a aids? Será essa a melhor forma de prevenção da aids?

As libidos estão correndo soltas, livres e sem censura. A permissividade está na moda. Incentivar o sexo, precocemente, tornou-se palavra de ordem. O que esperar de um país que convoca, sem critérios, jovens e adolescentes a irem para a cama? O carnaval não deveria ser divulgado mais como uma festa nacional e menos como incentivos às vivências sexuais, antecipando impulsos e desejos?

Não há aí um deslocamento, um equívoco conceitual? Um trabalho sério de prevenção não deveria ocupar, durante todo o ano, as agendas familiares, escolares e governamentais, e não bombardear cabeças apenas em época de festas e carnavais?

Parece que a nova ordem sexual chegou para ficar. Por que, no Brasil, a gravidez precoce aumentou tanto entre as adolescentes? Entre os fatores que contribuem para a antecipação da menarca (primeira menstruação) - porta que se abre para o início da vida sexual - destacam-se os culturais, os relacionados ao estilo de vida e consumo, que sexualiza e influencia a garotada do mundo moderno.

Viver sobre a égide da mídia é desafio. A vida humana não pode ser conduzida e influenciada por frases descabidas. As palavras atuam como significantes e contaminam o inconsciente, produzindo efeitos. Uma criança que lê mensagens como essa do carnaval, está exposta a temas não adequados à sua idade e que podem ser deletérios - sofre estímulos que desencadeiam um processo de erotização precoce, que, consequentemente, culminam em distúrbios hormonais.

A sexualidade humana inicia-se desde que nascemos. É um processo longo, percurso que outrora era cheio de rituais e magias. Os encontros iniciavam-se entre olhares cobiçosos, depois, a aproximação, o namoro e o primeiro beijo. Hoje, a pressa moderna atropela e simplifica gestos e rituais que sacralizam o encontro sexual e afetivo, banalizando emoções e sentimentos.

Acreditamos que deve ter pouca coisa pior para uma adolescente do que se ver grávida. A experiência da maternidade exige preparo, é coisa para mulher madura, uma vez que implica dedicação e muito trabalho. Mas não podemos cobrar isso de uma garota.

A gravidez precoce evidencia a dificuldade dos pais em orientar e impor limites às filhas e filhos. A permissividade está por toda parte - na Lan House, em nossa TV que segue pouco regulamentada, em propagandas que estimulam consumos e excessos. Poucos conseguem segurar essa turminha que cresceu se erotizando em programas televisivos, conversas e bonecas como Barbie, que fazem alusões a namoros e baladas - banalizando e incentivando a prática sexual fora de hora.

Acreditamos que esse tema deve fazer parte das agendas dos pais, educadores e governo, uma vez que não estaremos imunes, seguros e protegidos de mais este problemão que o mundo da mídia, do entretenimento e do consumo nos envolveu. Saídas exigem posições firmes da família e de políticas públicas. Posições que devem contaminar a população, cobrando do estado maior regulamentação dos meios de comunicação de massa e habilidade na condução das campanhas.


Pais e namoros


O garoto acordou e lá estava um sujeito que ele nunca viu, saindo do quarto da mãe. Com apenas dez anos, ele já trombou com vários namorados ou “casos” dela. O garoto passou a manifestar seu descontentamento de forma agressiva, irritado e chorão - sempre rejeitando os habitantes esporádicos que passavam pela casa.

Nessa história, temos uma criança à mercê da inconseqüência e da falta de habilidade de uma mãe. Com os recasamentos, cabe aos pais, e neste particular à mãe, saber como administrar melhor a vida afetiva. Geralmente, toda criança que vive a separação dos pais, sofre com a ausência daquele que se mudou. E acaba por criar expectativa numa relação afetiva mais duradoura com os aspirantes a padrasto ou madrasta. Além de gerar frustração, a mãe, que expõe suas relações afetivas ao filho de forma pouco criteriosa, corre o risco de perder a autoridade para com ele – instala-se um clima de que aquela é uma casa livre, onde tudo é permitido.

A sociedade atual convencionou julgar normal atos que antes eram considerados sacrilégios. A questão é saber usar o bom senso, saber avaliar cada caso - será que toda parada amorosa merece ser apresentada ao filho? Não seria mais seguro esperar, sentir a situação ao invés de expor o filho a tantos rodízios afetivos?
Tal fato nos leva a reflexões - por que o imaginário social que o mundo cultiva do Brasil é de paraíso sexual, bordel do mundo, destino de turistas sexuais que aqui aterrizam em busca de orgias? País em que mais de um milhão de adolescentes engravidam por ano, e muitas se portam como disponíveis para aventuras sexuais?

A liberdade sexual é incentivada pela indústria do sexo, que o expõe sem descanso. A mídia incita a volúpia todo o tempo. Sexo vende de cerveja a imóvel. As mulheres são convocadas a serem sexy o tempo todo. No cabaré tropical, todos se unem em torno da promoção erótica, prometendo gozo e vendendo um imaginário de prazer infinito. A onda do “liberou geral” apregoa o fim da censura, herança de uma luta por liberdade que nos viciou nos excessos, quando os estudantes no maio de 68 reivindicavam meio a slogans: “Sejamos razoáveis, exijamos o impossível”.

É verdade que tivemos avanços com a revolução sexual. As mulheres podem ter prazer sem engravidarem, escolher os parceiros e quantos filhos ter, ou separar-se quando infelizes. Os homens não precisam mais pagar para fazerem sexo. Contudo, os pais não precisam jogar no lixo a responsabilidade, o bom senso e a lucidez. É possível conjugar vida pessoal sem causar devastação na família. Moralismos à parte, a questão é que tudo que restringe e limita as formas de viver o prazer, soa como careta, ultrapassado, retrógrado.

Muitos se esquecem que o processo educativo inclui ritos de passagens que não devem ser atropelados. A festa dos 15 anos, por exemplo, tinha a função de inserir a garota na sociedade, marcando esta etapa da vida. Hoje, debutar, socializar e integrar-se entre os jovens, já não faz sentido, elas iniciam-se muito antes. É importante ficarmos atentos à tendência apressada e frenética ao gozo.

Cabe aos pais mostrar que a vida é muito mais que romances e baladas. Educar implica em ajudar o filho a construir saídas para as angústias, saber enfrentar as obrigações, frustrações e adversidades que a vida nos impõe – aspectos desagradáveis, contudo necessários no processo de formação de uma criança. E nada mais eficaz que exemplos, funcionam melhor que duras palavras. Saber viver os impulsos e conquistar os momentos de prazer requer sabedoria. Mais um desafio aos pais.

terça-feira, 8 de janeiro de 2008


Humanidade que vem dos livros


Segundo pesquisa internacional sobre “hábito de ler”, o Brasil está entre os países onde menos se lê. Contudo, chamamos a atenção para a importância, de habituarmos os baixinhos na prática da leitura a despeito de tornarmos uma população que só entende o que ouve, e não entende o que lê. Fato que revela que a presença intelectual da geração “audiovisual” resume-se à audição. É quando o registro psíquico existe para compreender apenas através do som das palavras, comprometendo a compreensão da leitura.

O livro conta com vários concorrentes na sociedade multimídia. Tudo em excesso é negativo. O processo de aprendizagem demanda tempo - quando lemos um livro, voltamos às frases, pensamos e digerimos o conteúdo lentamente. O excesso de informação, sem tempo para assimilá-lo, provoca falha cognitiva. Conhecimento é diferente de informação e exige reflexão. Hábito que estamos perdendo. Não existe pensamento sem reflexão e não existe vida inteligente sem o exercício do pensar, elaborar e praticar. Há o tempo de ler, elaborar e concluir, fases que o mundo da tecnologia está desconsiderando.

A leitura pode se transformar em opção profissional. O mundo dos livros é lugar de formação. Muitos que hoje ocupam lugar de destaque em seus trabalhos só o conseguiram por que neles se formaram. Quem lê aprende a falar, escrever e pensar. Os grandes revolucionários da história eram ainda jovens quando resolveram fazer de suas causas, a razão de suas vidas. Juventude era sinônimo de idealismo e utopias alimentadas por um imaginário literário. O cenário atual de leitura é virtual e domina os meios de comunicação que exploram essencialmente a imagem. Quando só o imaginário é provocado, geramos uma pobreza no simbólico, revelando uma dificuldade em interpretar textos e elaborar questões - sintoma comum entre os jovens atuais (analfabetismo funcional).

Jorge Luis Borges em Um ensaio autobiográfico, confessa: “Se me pedissem para nomear o acontecimento mais importante de minha vida, eu citaria a biblioteca de meu pai”. Os jovens não precisam começar pelo brilho transcendente shakesperiano, sabemos que Hamlet e Rei Lear são para poucos, tampouco por Guimarães Rosa, mas por que não insistir com Fernando Sabino, Érico Veríssimo ou Adélia Prado?

A literatura humaniza. As palavras se aproximam mais de pessoas que de coisas. Quem lê sofre menos solidão – se encantando e se apaixonando pelos personagens, expandindo os espaços do afeto e tocando o infinito da existência. E descobrindo legiões em si mesmas. O mundo das artes nos reserva surpresas. Entre metáforas, rompemos com a crônica do dia, nua e crua. A sabedoria transcende a objetividade do mundo real e exige consistência interior. A vida das cidades grandes é pouco romântica, falta-lhe entusiasmo. O asfalto tende a endurecer as pessoas, tirando delas a substância poética, secando-lhes as chamas da invenção. Como atesta Rousseau: “Compreendo como os habitantes das cidades têm pouca fé; eles só vêem muros, ruas e crimes”.

Sabemos que há várias saídas para o desamparo globalizado que nos atormenta. A filosofia, como a literatura, podem nos ajudar a povoar a alma. O filósofo, em sua paixão incendiária pela transcendência do mundo, consola o coração e serve de guia para a ação. A ausência de vida interior revela desorientação. Que tal incluirmos nos roteiros familiares passeios pelas livrarias? O homem contemporâneo, como o da caverna, contaminou-se numa visão distorcida, fragmentada e empobrecida da existência humana. A sociedade atual, do alto de seu avanço tecnológico, corre o risco de cair num vazio simbólico. E a juventude é o segmento que mais sofre com isso.

Gilberto Dimenstein informou que, em Bogotá, jovens, ex-integrantes do narcotráfico, guerrilheiros e paramilitares, hoje recuperados e recolocados na sociedade como agentes comunitários, trabalham oferecendo nos sinais informação turística. Alguns portam livros debaixo do braço e oferecem gratuitamente aos cidadãos. O projeto inclui uma biblioteca ambulante “Livros ao vento”. A Colômbia oferece literatura no lugar da arma e da droga. Humanizou-se!


A droga nossa de cada dia


“Festa sem cerveja não rola. A cerveja é que faz o papo rolar. Sem muita cerveja, a parada caba cedo”. O comentário poderia ser de um adolescente, mas é de um pai. Como as famílias podem cobrar dos jovens hábitos diferentes, quando elas próprias estimulam, cada vez mais cedo, o ingresso dos filhos no mundo do álcool e das drogas?

O Brasil é o maior consumidor mundial de anfetaminas. Flávio Madruga, membro da Associação Brasileira de Estudos da Obesidade (Abeso), cita o caso de uma jovem de 19 anos, que tomou por dois meses fórmula à base de anorexígenos e hormônios tireoidianos. Ela queria eliminar oito quilos. Perdeu cinco num mês e teve um surto psicótico. (O Globo, 18/11/07).

Estamos nos tornando uma sociedade de toxicômanos? Cerveja, anfetamina e fluoxetina tornaram-se mania e são ingeridos de forma desregrada, em excesso. Sempre surge alguém querendo nos oferecer um gole ou receitar uma pílula - como se aquela poção química encarnasse a promessa de felicidade, alívio imediato. A mania phármakon pegou - drogas à prêt-à-porter!

A tendência à drogadição inicia-se nas festinhas familiares, nos churrascos domingueiros, quando os pais associam virilidade com capacidade de ingerir bebidas alcoólicas. Chope e machismo ainda fazem sentido? O imaginário social ainda relaciona álcool com potência sexual.

Ao analisarmos os fatores que vêem influenciando no aumento do índice de usuários de drogas - lícitas e ilícitas - não podemos ser hipócritas e não nos implicarmos na questão. Poucas famílias não fazem uso de alguma substância tóxica, algo que as ajude a suportar o real da vida. É do ser humano anestesiar o vazio que o atormenta, não querer decifrar o insuportável.

Em que mundo queremos viver? Foucault nos alertou sobre as formas de dominação – a ciência administrando corpos e mentes e afastando o que está além dos sintomas. Da cerveja à fluoxetina e à anfetamina, aceitamos os artifícios de controle e, num ato de cumplicidade, justificamos e naturalizamos a fuga. Confundimos sonhos com avanços tecnológicos. A versão moderna de felicidade é sintética e produzida em laboratórios.

O discurso da ciência nos atropela com diferentes máscaras. Ética e fragilidade se embaralham e dificultam a recusa por propostas que não se intimidam em nos tratar como robôs. Interessa à tecnociência afastar o sujeito da vida autêntica – sentidos e sentimentos. Dessubstancializado, sua existência empobrece e perde o brilho.

A trajetória do toxicômano geralmente inicia-se com drogas lícitas e pode terminar num banquete mortífero. A proposta é alertar para os equívocos e banalizações no campo da drogadição - seja por medicamentos ou pela via precoce da ingestão de álcool. Quando um pai propaga que vai beber “todas que tem direito”, ele pode transmitir ao filho que felicidade, prazer, somente se alcança com muita bebida.

Será que a vida não pode ser apreciada e desfrutada sem, necessariamente, a ingestão de bebidas alcoólicas? Vida saudável não implica hábitos também saudáveis? A questão não é beber ou não beber, tomar ou não antidepressivos, mas como e quando fazê-los. Sem fazer apologia à lei seca, tampouco desqualificar a aplicabilidade da medicação, o interesse é debater os abusos aos quais muitos jovens e adolescentes estão expostos. As drogas, geralmente, entram na vida do jovem como um aditivo narcísico, uma forma de se inserir no grupo, um apelo de pertencimento. Filho identificado ao pai, tende repeti-lo. Como testemunha Guimarães Rosa: “Cavalo que ama o dono, até respira do mesmo jeito”.