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Amor urgente e necessário chega de graça,
e entusiasma a alma.

terça-feira, 22 de julho de 2008


Solidão de filhos


Será que seu filho se sente só? Talvez você nunca tenha pensado no assunto. Talvez você perceba e não saiba como agir. Mesmo que ele esteja sempre rodeado de colegas, que tenha festas para ir e até namorada, pode ser que ele não reconheça em ninguém um amigo verdadeiro para confiar quando o coração aperta.

Alex, um adolescente skatista do filme Paranoid Park, nos alerta para a angústia e a solidão que alguns jovens sentem. Em busca de emoção, aproxima-se de skatistas, e acaba envolvido acidentalmente na morte de um guarda. Recobre-se de medo e culpa, e não fala nada a respeito nem para o pai, nem para a mãe, nem para ninguém.

Um traço da adolescência é a comunidade, a “galera”, a tribo, que dá a ilusão, para os jovens e para os pais, da ausência da solidão. Mas no grupo nem sempre há relações de intimidade, nem sempre há vínculos estreitos. E não é necessário acontecer uma tragédia para o adolescente se dar conta de que está só. Basta ter algo que o incomode muito, ou viva de uma maneira que não lhe dê orgulho para ter sentimentos de inferioridade e manter-se distantes das pessoas, esconder-se. Esconderijo que pode representar a busca por situações que proporcionam euforia e disfarçam a solidão. Esta pode ser tanto silenciosa quanto barulhenta.

O psicanalista Contardo Calligaris em seu livro, Adolescência, nos lembra que o “adolescente vive a falta do olhar apaixonado que ele merecia quando criança”. Olhar vital, imprescindível para o adolescente não se distanciar dos pais. E é essa proximidade que os faz compreender a demandas dos filhos. Não se está falando aqui que é possível aplacar toda a solidão que um jovem sente, porque afinal todo indivíduo, indiferente de sua idade, em determinados momentos, sente-se só. Temos nossas inquietações que não compartilhamos. O que está em questão é como os pais podem amenizar a solidão que se abate sobre os filhos. Mesmo quando esse está às voltas com outras atividades, ele pode estar se sentido desamparado, só, angustiado e sem saber como manifestar o incômodo.

A vida moderna cerca o jovens de mil parafernálias - jogos eletrônicos, celulares, orkut, esportes radicais, colegas e amigos, contudo, muitos se sentem fora de lugar, deslocados. O sentimento de desraizamento, de despertencimento é um dos sintomas da juventude atual. Quanto mais ampliamos os espaços e as oportunidades de convivência, menos neles nos aprofundamos. O mundo virtual pode ser uma forma de disfarçar a solidão de muitos jovens. Eles têm muito e não tem nada, pois realmente poucos se entregam às atividades de corpo e alma.

O importante é que os filhos, desde pequenos, se sintam com liberdade e com intimidade para se abrir e falar de seus mal-estares, os sentimentos difíceis, as emoções indefinidas. É na intimidade que assuntos subjetivos e profundos podem ser conversados, desabafados, revelados. E isso se faz com diálogo, com proximidade. A conversa franca, aberta para expressar idéias e sentimentos nos aproxima dos outros. E quando falamos, nos ouvimos, nos entendemos. Por isso, é fundamental que os pais criem o hábito do bem dizer – quando a família inclui no dia a dia a prática de olhar uns aos outros, e mirando nos olhos, parar para sentir se o outro está bem. Afinal, para que vivemos se não for para nos ajudar a sermos mais felizes, para trazer mais sentido e colorido às nossas vidas? Resignificar a existência passa pelo olhar, pelo escutar e pelo sentir. E não pelo diálogo mudo que muitas vezes estabelecemos com aqueles que amamos. Juventude feliz é aquela que desliza nas pistas de skate e nas do coração.

Por acaso, ou por inconseqüência, seu filho pode estar num espiral de confusão. Se sentir confiança, ele tende a falar, mas se não sentir, vai arrumar estratégias de acobertamento. Vai se enroscar na culpa e no medo desencadeando uma série de conflitos internos. Portanto, cultive a intimidade.

quarta-feira, 2 de julho de 2008


Jovens e violência

O casal de jovens – ela, estudante de arquitetura, ele, de direito –, namorou por alguns anos. Depois de certo tempo, a garota resolve terminar o namoro. O ex-namorado, inconformado, começa a persegui-la. Certo dia, força e consegue entrar no apartamento onde ela mora, ludibria a empregada e vai até o quarto da garota, ameaçando e agredindo-a, embriagado, descontrolado. Os pais da garota procuram os pais do rapaz para uma conversa. O pai do garoto tenta desculpabilizá-lo. Chocada, a mãe da garota tenta entender tal aberração.

Histórias como essa têm se tornado comuns, o que nos obriga a refletir sobre os fatores que têm contribuído para o aumento da violência entre os jovens. Quando essas histórias começam?
Um garoto que foi criado, desde pequeno, demandando e recebendo, chorando e sendo atendido, cresce despreparado e com um imaginário completamente distorcido sobre os códigos da boa convivência. A concepção que formamos da vida é internalizada desde que nascemos. Se a criança sente desejo de algo, ela vai lutar para conseguir. Caso ela consiga sem esforço, ou se nada lhe é negado, como ela vai desenvolver um equilíbrio pulsional - como ela vai aprender a domar pulsões e desejos? A possibilidade de essa criança crescer fora da lei, praticando atos inflacionários, desrespeitando regras e desconhecendo limites, é muito grande.

As famílias modernas, por falta de tempo ou por falta de disposição interna, delegam a terceiros a educação dos filhos. Nessa jogada entra, desde babás, escolas, avós, até televisão e computador. É grande o arsenal de atividades e pessoas que vêm cumprindo com a função paterna e materna. Isso tudo inclui aspectos positivos e negativos. Os negativos correm por conta dos excessos, exageros. Muitos, ainda bebês, iniciam sua trajetória no mundo externo – fora de casa, em berçários, submetendo-se a horários rígidos, longe do aconchego dos pais. Os primeiros anos de vida são fundamentais para a saúde psíquica e emocional da criança. Como conciliar a necessidade de trabalhar fora com a responsabilidade sobre os filhos? Educar exige disposição, implicação, dedicação, tudo que o mundo moderno não estimula, pois sempre nos chega com um compromisso urgente.

Contudo, há cenas, palavras e imagens que registramos ainda bebês, e para delas nos desvencilhar, não será muito simples. Somos as fantasias que criamos com o que vivemos, ouvimos e vimos. Se não aprendemos, desde cedo, aceitar recusas, considerar o desejo do outro, como iremos respeitar a namorada? Saber renunciar ao nosso desejo, saber lidar com frustrações e perdas é uma das coisas mais importantes da vida. Cabe aos pais inserirem o filho nos limites da condição humana. Todo ser humano sofrerá restrições, frustrações. Não existe vida humana em que algo não falte. Freud, em vários textos, nos alertou sobre o desamparo. Faz parte da tragédia humana a sensação de incompletude.

O bom pai é aquele que não poupa o filho dos fracassos e errâncias da vida. Educar demanda coragem e dedicação para, desde pequeno, apresentar ao filho a vida como ela é. Viver exige de nós responsabilidade, compromisso. Coragem para assumir erros e fracassos. O homem, quando toca sua insignificância, humaniza-se. Dignidade, honra e humildade, são valores que não podem sair do cardápio educativo dos filhos. Sem eles o mundo se tornará inviável, inconvivível. A anomia - o caos e a falta de lei não são bons para ninguém. A vida forjada na intolerância e no desrespeito ao outro é um inferno.

A educação de um filho começa bem antes de ele nascer. E requer muita gente! Como diz o provérbio africano: “É preciso um povoado inteiro para educar uma criança”. Há uma função social na educação dos filhos - embora seja responsabilidade dos pais, ela excede aos pais. O individualismo, sem uma moldura ampla de responsabilidades coletivas, é um perigo. Em que cultura educamos nossos filhos? Qual a nossa posição diante dos últimos acontecimentos? A cultura de consumo, individualista, narcisista, que incentiva o sucesso a qualquer custo, não ajuda muito. Pelo contrário, estimula a permissividade. E sabemos que sem coibir é impossível educar!


1968 – O ano em que tudo começou


O que teria levado valores como solidariedade, gentileza e respeito ao outro cair em desuso? Por que nos tornamos individualistas e consumistas ao extremo? O que levou à desestruturação familiar? Quando tudo isso começou? Para Jean-Claude Guillebaud, autor de Tirania do prazer, isso começa com a revolução sexual de 1968. O ano em que, na esteira de Wilhelm Reich, o sexo deixa de ser um acontecimento para tornar-se uma obrigação. Todos devem se candidatar ao imperativo do prazer sexual que se tornou a panacéia para todos os males. Para ele, o advento da liberdade sexual vai lutar contra a família, a moral e todas as formas de repressão. Reich atesta a crença no avanço de suas idéias: “A revolução sexual progride e poder algum do mundo poderá deter seu curso”. Contudo, o excesso de permissividade que vive os jovens atuais, o descontrole na forma de viver a sexualidade e a dificuldade dos pais e professores em impor-lhes limites e disciplina, fazem parte das conquistas do maio de 68.

Hoje, desejar uma família estruturada, ansiar por filhos respeitosos e obedientes, que agem dentro dos limites da lei, tornaram-se valores de esquerda. Ser revolucionário hoje é ser disciplinado, ético e solidário. Como reiniciar o retorno à ética e a conceitos como cidadania, público e alteridade? A descrença na política nos fez amantes dos costumes, tendências e modismos, como se somente eles pudessem nos salvar. Atestamos o fim da esperança por um mundo mais humano, igualitário e feliz. Resistimos ao triunfo do neoliberalismo com o direito de usarmos o nosso corpo, explorá-lo - usufruir dele e do corpo do outro como bem desejarmos. Eis a nossa revolta – somos libertários sexuais, mesmo quando não devemos ser. Nossa ética é garantir nosso prazer a qualquer custo.

As grandes matrizes ideológicas caíram por terra, o marxismo cedeu lugar a outras crenças. Longe de combater a luta de classe, agora queremos marcar posição, ganhar espaço, visibilidade. A luta é individual e vale lançar mão de todo tipo de pensamento. De Paulo Coelho à auto-ajuda, a ordem é garantir alguma salvação. A esperança transformou-se num presente sem futuro – o imediatismo comanda e orienta a vida forjada pelo mercado globalizado. Viver tornou-se num plano de metas, frenético e sem sentido. Tempo de desespero!

O jornalista Zuenir Ventura, em “1968 – o que fizemos de nós”, relembra: “Finda a era das certezas ideológicas, vivemos tempos de ambigüidade, do bem convivendo com o mal, do sim com o não, de um futuro em que nada está garantido, nem a existência do planeta”. Cultivamos como herança de 68 um relativismo moral e sexual, o fim das referências culturais e familiares, transformações no campo da estética - a moda deslocou para dietas e academias. A esperança apostada no socialismo desabou no consumismo. Os estudantes de outrora, pós-movimento estudantil, infiltraram-se nos partidos e sindicatos - que hoje ocupam cargos de poder, salários de magnatas.

Mas de tudo isso importa destacar a questão moral - a herança de uma liberdade conquistada que desloca para uma permissividade excessiva. Jovens de 68 tornaram-se pai confundindo educação com repressão. Negligentes e relapsos, não inseriram o filho nos limites da lei. Na confusão, relativisaram tudo, confundindo papel de pai com papel de amigo. A geração dos filhos dos militantes de 68, geralmente, é rebelde às avessas. Hoje, muitas crianças vivem o desajuste - o conflito entre certo e errado, verdade e ficção, bonito e feio, heterossexual e homossexual. Podemos ser melhores. Vamos lutar!