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terça-feira, 29 de junho de 2010

A SOLIDÃO DOS INTERNAUTAS

Inez Lemos

“Minha vida era só tristeza, eu era rejeitada na escola, os colegas zoavam, e, por não ser bonita, me chamavam de canhão. Um dia resolvi me produzir, fiz umas fotos sensuais e coloquei na internet. Consegui amigos, muitos interessados em me conhecer. Depois meus pais descobriram, e eu tive que apagar tudo, minha alegria acabou”. A fala de M, de 15 anos, nos ajuda a interrogar o que leva os jovens a aderirem, de forma cabal, aos sites de relacionamento. O mundo virtual funciona como um cabaré para os jovens e adolescentes. É onde eles se refugiam em conversas, confissões, expõem desejos - encontram os pares, se sentem amados, reconhecidos, notados.

O desabafo de muitos jovens e adolescentes giram em torno do quanto a vida dos adultos é, para eles, desinteressante. Muitos reclamam da falta de empenho dos pais em tentar compreendê-los. Mesmo sabendo que essa é uma tarefa difícil, muitos julgam um absurdo os pais não se esforçarem em ajudá-los a enfrentar as ciladas do mundo atual. A maioria acredita que a internet funciona como um oásis no deserto, ajudando-os a suportar a solidão e o isolamento. “Meu pai senta-se à mesa e só fala de negócios com minha mãe. Os papos deles são só coisas que envolvem dinheiro, ele nem percebe que eu estou ao seu lado nem pergunta o que estou estudando, se estou gostando da escola, é por isso que eu não falo mais nada de mim em casa, converso só com meus amigos”, confessa R, 17.

A sensação que tive, ao investigar o fascínio que o mundo virtual exerce entre os jovens e adolescentes, é que a internet opera como um reduto. Espaço onde eles se sentem vivos e importantes. E expressam revolta por se sentirem rejeitados pelos mais velhos. Alguns consideram a vida atual imprópria para educar filhos, uma vez que muitos pais julgam qualquer coisa mais empolgante que se dedicar aos jovens. “Eu sei que o meu papai podia ficar comigo, sair, jogar bola, mas ele sempre preferia os amigos. E minha mãe não largava as novelas dela por nada”, desabafa L, 16. Será por isso que agora eles abominam a companhia dos pais? Significa que cumprir com a função paterna e materna, há muito tempo deixou de ocupar um lugar no desejo dos pais?

O jovem se move num mundo que não quer saber dele senão como consumidor. Não o quer enquanto sujeito de desejo e conflitos, frustrações e sofrimento. São alvos de atenção quando se submetem às seduções de consumo – cordeiros que seguem o cortejo triunfal dos bem-sucedidos. Quando não nos responsabilizamos pelo nosso desejo, nos transformamos num corpo morto, sem voz e vontade própria. Muitos têm consciência que habitam um mundo de vozes inaudíveis e olhares congelados numa só direção. A harmonia interior se expressa sobre um fundo de discordância, é conquista que implica superar confrontos. Discordar é visto como briga, desavença. Muitos pais cobram uma educação focada, operacional - não querem perder tempo com debates sobre ética, cidadania. Tudo deve ser acordado de forma rápida, sem elaborações.

Vivemos a sociedade da voracidade - que se pauta muito mais por valores privados que por valores públicos. Na escola, o filho tem que produzir e responder às expectativas de aprendizagem. Caso esteja destoando da turma, deve ser logo diagnosticado, medicado. Compactuamos com as regras da era cibernética. Aderimos aos modismos e julgamos mais fácil aceitar que contestar. “Crianças de 2 anos já usam computadores em escolas”. A mídia nos avisa que algumas escolas de São Paulo, no intuito de ganhar pontos em relação às outras, estão antecipando o ensino de informática. Alguns pais, por necessidade de participar da horda, sem interrogar, mergulham na obediência voluntária e aderem às insanidades da tecnocultura. Abrem mão da autonomia e do direito de defender convicções. Lembramos que a passividade circula no campo da pulsão de morte. Há uma moral fundamentada na razão humana que está se esvaindo.

Permissividade rima com preguiça - permitir é mais fácil que lutar e exigir. Submeter-se às necessidades criadas pelo mercado, aceitando que imponha hábitos e rituais. Concordar que os objetos adquiram dimensão bem maior que as relações inter-humanas - que o cachorro ocupe lugar de prevalência em relação ao filho. Defender que o período que gasto com vaidades legitime o tempo que falta à minha família. Estamos todos justificados diante das exigências do momento. Está tudo certo, apenas estamos roubando da criança o direito de ser inserida em mediações criativas, que estimulam o fazer por si e a autonomia. Brincar com os filhos implica envolvimento, interação e contribui no amadurecimento da relação, fortalecendo o laço afetivo. Enquanto a submissão às determinações de fora produz sentimento de inutilidade e abandono - base doentia para a vida. A modernidade põe em cena o desamparo. É desumano, mas é fashion.

A solidão dos jovens deve ser investigada dentro do rol de exigências que o mundo atual cobra deles. Mal a criança nasce, o empanturramos de expectativas, palavras de ordem. Tornou-se comum ouvir que os profissionais devem atender às expectativas do mercado. Será que os profissionais competentes deveriam se submeter ao mercado tal qual ele exige? Muitos, embora bem sucedidos profissionalmente, são imaturos e despreparados diante dos sofrimentos e desafios da vida. Vida íntima, vida afetiva. Muitas são as vidas que nos enlaçam. Viver é também se aventurar pelos chamados da alma e debruçar sobre os apelos do coração, imprimindo nossa marca no mundo - do trabalho e das relações afetivas. Senão é seguir plano de metas e cumprir agenda externa e estranha.

Ao preservar a singularidade, devemos colocar um ponto de basta na voracidade do mercado, que, sem pudor, invade os espaços privados, determina e define nossos passos. Não há mais lugar para o espontâneo - o cerimonial decide! Vida planejada, sentimentos controlados e desencontrados. Outrora éramos mais avacalhados, mas havia naturalidade nos gestos e espontaneidade nas relações. Viver era mais verdadeiro. Bebíamos mais da fonte bruta, autêntica. Na medida em que nos tornarmos prisioneiros de demandas alheias, nos alienamos da condição humana. É a mercadoria que se revela na figura do destino inexorável, é ter ou ter. Ambicionar, adquirir, acumular.

O indivíduo tributário do sentimento de despertencimento, autocentrado, cresce na valorização narcísica e na negação de símbolos e atavismos. A trajetória do individualista difere da trajetória do sujeito que cultua raízes e valoriza vínculos e sentimentos como fundamento do sentido da vida. Autonomia é diferente de independência. O sujeito autônomo constrói o seu percurso na interação com o outro e com o mundo que o cerca. O individualista segue um roteiro independente do outro, seu compromisso é apenas com ele. O outro é apenas um serviçal.

A maioria dos jovens não acredita que possa criar alternativas distantes do mal-estar reproduzido na lógica da linha montagem industrial, existência coisificada e marginalizada. Crueldade sempre existiu, mas há uma crueldade refinada no mundo ultraliberal que enfatiza a técnica pela técnica. Falo da servidão sutil e disfarçada às quais muitos jovens estão se submetendo. Confinados diante de uma máquina, passam horas entretidos numa inclusão virtual e imaginária. Será que as novas formas de sociabilidade geram novas sensibilidades? Será que os amigos virtuais vão se interessar pelos nossos problemas e nos fazer companhia nas horas difíceis? Podemos confiar nas amizades que nascem na tela, tal qual as que brotam numa mesa de bar, no olho a olho, tendo como parceira o desejo da companhia - testemunho da paixão que habita os homens ávidos por ligações viscerais? Amizade é algo que não se propõe, acontece. Percebemos uma paranóia, uma obsessão em vasculhar a vida do outro (amigo ou namorado), aproveitar do mecanismo tecnológico e por em cena a maledicência. Gozo em invadir privacidades. Avançamos em relação às fofoqueiras, que se debruçavam nas janelas para se deliciar com a vida alheia? Esse lamento não passa de um delírio saudosista ou o mundo que estamos construindo para os jovens está mesmo estranho?

Como acreditar mais nos sentimentos que nos signos de poder, fazendo-se merecedor da dedicação dos pais na difícil travessia para o mundo adulto? Crescer longe da mistificação criada pela publicidade, da fascinação pela ostentação que garante ao sujeito respeito? Fugir às determinações: “Escolha uma profissão que dá dinheiro, esse papo de fazer o que gosta é furado”. Lançados na fogueira narcísica dos pais, submetem-se aos mecanismos de compensação de insatisfações e ressentimentos. Pressionados, se demitem da família e buscam abrigo nas tribos virtuais - antídoto contra a solidão.

[1] Artigo publicado no C. Pensar em 26/06/2010

quinta-feira, 17 de junho de 2010

QUAL O VALOR DO CONHECIMENTO?

Eliane Dantas

“Fixe o pensamento apenas nos escritos, pois já vi pessoas serem salvas por seu trabalho. Entenda, não há nada mais genial que os escritos. São como um barco sobre a água. Deixe-me fazê-lo amar a escrita mais que a sua mãe. Permita-me introduzir sua beleza a seus olhos, pois ela é mais importante que qualquer outro trabalho. Não há o que se compare em todo o mundo”. Esta fala ocorreu 4 mil anos atrás, entre o burocrata egípcio Dua-Queti e seu filho quando navegavam pelo Nilo em direção a uma escola de escribas, segundo o livro A História da Leitura, de Steven Roger Fischer.

Antes que mães e pais fiquem bravos e desistam de continuar esta leitura, não quero entrar na discussão sobre amar a palavra mais do que a uma mãe. O que disse o burocrata pode ter sido uma força de expressão. De todo modo, é importante lembrar que, naquela época, a comunicação se dava principalmente pela oralidade, a escrita era privilégio de poucos, principalmente dos homens, e era um fator que definia poder e status.

O que me interessa na fala daquele burocrata é a oportunidade de pensarmos na relação das pessoas com o conhecimento. Até que ponto seriam as falas e ações de adultos também responsáveis pelo desinteresse de crianças e jovens pelo saber? De que forma pais definem escola para seus filhos? O que esperam dela?

É bom lembrarmos que escola existe para o indivíduo aprender a servir-se de seu próprio intelecto, colocar à prova seu pensamento, construir a liberdade que vem com o conhecimento. Quanto mais conhecemos, mais livres somos, mais agiremos por escolhas e não porque os “oráculos da verdade” – que podem ser um professor, um pastor, um governante, um militar – nos dizem o que fazer. A multidão que não pensa, alerta Kant, fica como animais domésticos confinados em seus currais com medo dos riscos do caminhar. “Mas ao preço de alguma queda, o indivíduo pode aprender a caminhar”, alerta o filósofo.

O fato é que, no Brasil, o conhecimento não está entre os artigos de primeira necessidade. A média de leitura dos brasileiros é de dois livros por ano, sintoma de quem não quer sair da menoridade (termo cunhado por Kant), ou seja, pensar por si próprio.

Na história do Brasil, o conhecimento jamais foi considerado prioridade. A primeira universidade do país só chegou com Dom João VI. Na Europa, séculos antes. Nos EUA, ainda no século XVII. É comum ouvir que tal sujeito pode ficar tranqüilo porque tem QI, ou seja, “quem indica”. Se preferirem rude clareza, tem pistolão! E onde fica o mérito? Aqui, muitas vezes, prevalece a lei de Gerson, que prega como desejável “levar vantagem em tudo, certo?”. Então para que estudar? Também se pode traçar um caminho mais curto, ir à Europa e tomar um banho de cultura! Não é assim que alguns pensam que irão conquistar conhecimento?

A socióloga Silvana Seabra, falando de sua experiência como professora nos EUA, diz nunca ter sido tão respeitada. Caso o aluno não fosse à aula, mandava email justificando a falta e pedindo desculpas. Em Belo Horizonte, um aluno agrediu uma professora e foi ela quem mudou de escola.
Então, o que podemos fazer para colocar o conhecimento no lugar de importância que ele merece e precisa? Os desafios são muitos, a resposta não é única, a trajetória é longa. Mas todos temos de buscar esse caminho ou a escola não encontrará o sentido que precisa. O discurso público e privado da “escola de qualidade” passa necessariamente pela reverência ao conhecimento.

domingo, 6 de junho de 2010

DESESPERANÇA E DOMINAÇÃO

Inez lemos

O novo estado do capitalismo ao qual nos submetemos desconstrói as possibilidades de simbolização. As relações sociais e mercadológicas se estabelecem fora do campo simbólico. Quais as conseqüências de se viver num mundo cujo valor simbólico é desmantelado em função do simples e neutro valor monetário? Quais os efeitos de dessimbolizar a vida e desvincular o dinheiro da dimensão subjetiva, simbólica e afetiva? Quando nada mais interessa, quando desconsideramos questões que ordenam a moral e a tradição e conferem às relações e aos objetos transcendência, abrimos espaço para a livre circulação da mercadoria. As trocas mercadológicas provocam a dessimbolização do mundo. Com isso, nos parafusamos numa rede de dominação, circunscrita não mais ao simbólico, mas ao real. É quando a vida passa a ser regida pela lógica do custo/benefício.

O novo sujeito, o homem que está se estruturando dentro da nova economia psíquica, sem recalque e desprezando o passado, mergulha na cultura da perversão. É a partir desse novo estatuto do objeto, da supervalorização da mercadoria, que devemos analisar episódios de violência envolvendo jovens e adolescentes. O novo sujeito se distancia cada vez mais do sujeito engendrado no sentido filosófico e psíquico do termo. A morte do simbólico enterra o sujeito kantiano junto ao sujeito freudiano. Distanciar da dimensão transcendental, desconsiderar as multiplicidades de sensações e sentimentos, negar as experiências, é acreditar num projeto existencial estruturado apenas no real da mercadoria, no real da vida. A filosofia que se estabeleceu na síntese da experiência e do entendimento refundava uma nova metafísica crítica. Vencido o sono dogmático, caímos na ilusão do racionalismo puro e simplista. Hoje, padecemos de excesso de técnica, de espírito funcional, operacional. O mundo que se apresenta às crianças é desprovido de sentido transcendental - repertório objetivo e científico arquitetado na razão mercadológica.

A lógica que orienta o novo sujeito é a do homem biológico. Vivemos a supervalorização do diagnóstico. Ao tratarmos o sofrimento humano, melhor ainda é provocar no sujeito o desejo de investigar o que o faz sofrer – jogar luz nos incômodos. Deixar falar o corpo erótico, vivente e vivido, que hoje emudeceu, desapareceu! Quando experiência e desejo seguem dissociados e a técnica reina absoluta, destruímos as possibilidades de explorar fracassos e conflitos. Ilusão acreditar que, castrando a palavra, conquistamos o apaziguamento. Assistimos à morte do sujeito forjado nos pressupostos da filosofia moderna e nas teorias orientadas nas manifestações do inconsciente – sonhos, atos falhos, chistes. É no espaço deixado pela morte do simbólico – dos totens e dos ideais do eu - que se embrenhou o mercado. A ausência de interdição favorece e expande as passagens ao ato. O que freia as pulsões é o recalque. Sem Pai e sem recalque, o que temos é um sujeito sem culpa, livre pra agir acima do bem e do mal. É quando vale tudo - de pedofilia a estrupos em série.

A sociedade que opera no real recusa o sujeito crítico e funda o sujeito do ato, que manifesta a insatisfação atuando - batendo, matando, chutando, zoando. Cyberbullying, prostituição virtual, esses e outros sintomas revelam um vazio de referência, um futuro morto. O Pai, lugar simbólico, funciona como vetor, é princípio de anterioridade. É ele que funda, no sujeito, a lei e o prepara para viver em sociedade. O que chamamos de Pai é um lugar que simboliza, para a criança, interdição. É quem educa ou cumpre a função paterna – mãe, tios, avós. À escola cabe reforçar os princípios educativos. Quando a criança chega à escola sem os princípios de anterioridade, estabelece-se o caos – violência, agressões, bullying. É um engodo acreditar que podemos prescindir da repressão ao educar filhos. Hoje, multiplicam-se os espaços em que a criança reina livre de modelos (ideal de eu). Mundo sem referencia e sem lei engendra sujeito sem supereu, auto-referencial. É quando o filho não escuta os pais e o aluno não dá a mínima para a escola e professores.

Como analisar os crimes cometidos por alunos, nas escolas, contra professores e colegas? As crianças, quando chegam à escola, chegam atravessadas de cultura midiática, empanturradas de mensagens televisivas. O tempo que era da família é despendido diante de uma tela em que a criança é contaminada por imagens de violência e inserida no mundo do consumo. A violência na TV é diferente da violência das histórias infantis, que chegavam aos ouvidos dos bebês pela voz das mães ou das avós. Há uma diferença significativa do imaginário de maldade enunciado pelo lobo mau e o universo realista dos seriados infantis, ou dos jornais e novelas – lixo televisivo ao qual muitas crianças são expostas. O resultado é uma geração forjada mais na cultura do consumo que na família, lugar por excelência de transmissão de valores.
A autoridade é transmitida no processo geracional. Instituir o jovem responsável, consciente de deus deveres e direitos, eis o desafio de uma sociedade que se institui na negação geracional, na auto-referencia. Os pós-identitários, sem antecedentes, desamparados e erigidos como “donos da verdade”, inudam as escolas de problemas, dificultando o processo educativo e comprometendo o bom funcionamento das instituições públicas e privadas. Como uma geração vai garantir a educação da outra? Várias identidades num mesmo corpo, pluralidade de opções, campo aberto para desejar tudo - é o mundo do excesso no qual estamos confinando os jovens. Muita mensagem e pouca metáfora paterna. Quando a metáfora de autoridade fracassa, emerge a selvageria - pulsões destrutivas e de morte. A ausência de interdição é pior que a ausência de escolaridade - esta ainda pode ser adquirida posteriormente, enquanto a delinqüência dificilmente é corrigida quando a lei não é internalizada desde cedo.

Os jovens estão sendo produzidos para resistir à relação de sentido, para escapar à elaboração discursiva e crítica. Sem Outro, eles se estruturam numa liberdade falsa, inconsistente - escravos que aceitam a servidão a que o mundo da homogeneidade vazia os condenou. A dominação atual revela o desprezo dos dominadores pela massa obediente. Só é possível dominar o outro quando desprezamos aquele que deverá se submeter a nós. A ausência de resistência, de pensamento crítico, compromete o laço social, o mundo das relações afetivas e a qualidade de vida – amigos, profissão, relações amorosas. Quando não somos nós que orientamos nossas ações, agimos dessubstancializados e dessimbolizados - distantes do lugar que confere pertencimento e filiação. A violência pode ser vista como efeito do descaso - emancipação do Outro, auto-gestão do eu. É da ordem do insuportável, para um adolescente, se sentir solto, desvinculado de uma rede de referencias e significantes que lhe conferem direção. O desespero de muitos jovens exprime impotência diante dos desafios da vida, dificuldade de tomar decisões, desejo de reconhecimento.

Como resistir à paixão triste, ao sentimento de impotência ao enfrentar os inimigos que nos afastam de nosso eixo identitário? Toda intervenção que nos chega de fora e que não exige de nós posicionamento, que dispensa nossa participação no processo, representa perigo! Cautela diante dos tratamentos que prescindem da palavra e oferecem resultados imediatos. Mediar, não adiar, elaborar. Enfrentar, desvelar - tirar o véu da dissimulação, do escape. Não querer ouvir o sofrimento do outro, não se interessar por seu grito interno é um dos maiores pecados que a modernidade já engendrou. Ao tratarmos depressão, bipolaridade ou outros transtornos somente com medicamentos, compactuamos com o apagamento do corpo erótico - que chora, berra e protesta contra o deserto ao qual está submetido. É mais rentável apostar na manutenção da doença do que na saúde dos portadores de sofrimento psíquico. Quando a química provoca no sujeito a ilusão de onipotência, ela o enreda na impotência. O jovem deprimido não enfrenta o Outro. Nada mais desesperador, para quem deveria ser encorajado a acreditar em seus sonhos, que se render enfraquecido e desacreditado de si. Desalento é se sentir vivo num corpo morto, desprezado, isolado e dominado pelo discurso absoluto da ciência.

Como se nomear e se subjetivar - agir segundo as próprias convicções? Elaborar perguntas como quem eu sou, o que desejo da vida, tornou-se despropósito! A singularidade é tramada entre amores, desamores e fracassos. Como enfrentar a peleja da vida? Sem antecedência, sem que os adultos assumam a responsabilidade do mundo no qual colocaram os filhos, dificilmente avançaremos no combate à violência. Primeiro, devemos saber que filhos queremos deixar no mundo, para, então, repensar que mundo queremos deixar aos filhos. Desesperança queima o tecido da vida - esperança de cumplicidade. Parceira mortífera.

Artigo publicado no Caderno Pensar em 29/05/2010.

DESESPERANÇA E DOMINAÇÃO