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segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

RAÍZES PSÍQUICAS E SOCIAIS DA CORRUPÇÃO

Inez Lemos [1]

            Qual a conexão que podemos estabelecer entre a família brasileira e a cultura de corrupção que se implantou no Brasil desde que a Coroa portuguesa aqui se instalou? O modelo de colonização português foi de exploração e não de povoamento, como o que ocorreu nos Estados Unidos, pelos ingleses. Explorar o máximo de riquezas de forma predatória, por meio de mão de obra africana e escrava. Desrespeitando índios, culturas, rios e florestas. Na casa-grande, vão se instalar os donos das terras, os coronéis e nas senzalas, os escravos. Assim nasce a cultura brasileira, marcada pela segregação e exclusão. A desigualdade social, que sempre fez parte do projeto civilizatório, nunca foi empecilho ou alvo de críticas pelos defensores do desenvolvimento econômico brasileiro.
            Como repensar a corrupção que sempre dominou as grandes empresas nacionais? Furnas, Petrobrás, Vale do Rio Doce (antes da privatização), sempre foram alvos de políticos e empresários ensandecidos pela cultura de propinas. Ao que hoje assistimos é parte de um modelo corrupto que aqui chegou, se expandiu e que, além de não o erradicarmos, o alimentamos. Sem repensar qual cultura que queremos educar os filhos, sem definir o modelo filosófico e político que escolhemos viver não saberemos como contribuir com a mudança de paradigma.
            Pais culpados por trabalhar em excesso e se ausentar da educação dos filhos - tensos e pressionados em atender às demandas de consumo -, acabam perdendo autoridade. Pais subservientes aos modismos, ou por comodismo, aderem às posturas antiéticas. Muitos justificam os atos insanos alegando que, se não submeterem, os filhos se sentirão excluídos. A subserviência dos pais nos remete à do país - que nasce submisso a outro com a missão de fornecer ouro, prata, terras e mulheres. E que, tardiamente, inicia os primeiros passos rumo à distribuição de renda, fator que garante a autonomia e a resistência do cidadão aos mandos e desmandos do poder econômico.             Ao se aproximar da opção ética de vida, devemos intensificar a participação social. Incentivar, entre as crianças, a convivência positiva, não predatória. Se respeitamos o espaço público, se jogamos o lixo na lixeira e não na rua, se evitamos fila dupla, reafirmamos a opção pela ética, pela não corrupção, uma vez que estamos subvertendo os impulsos perversos. Corrupção e perversão, dois conceitos que se entrelaçam. Qual a política social que defendemos? Exclusão ou inclusão? Há uma diretriz ético-política que nos obriga a repensar os rumos que traçamos para os filhos. Enriquecer a qualquer custo? Educá-los para a submissão ao mercado, ou encorajá-los nas escolhas que priorizam a realização pessoal?
            O conceito de ética coloca o outro no centro da questão. Uma escolha ética exige consciência social, propostas que implicam o outro e ultrapassam o mero prazer. O princípio é o bem comum, convivência que garante qualidade de vida à maioria. Não há desenvolvimento econômico sem preservação do espaço público. Sem os mananciais não teremos água, bem sagrado que não pode ser privatizado. A Amazônia é uma dádiva dos deuses, e, no entanto, o homem está destruindo-a. Como ensinar a reverenciar a natureza mais que shoppings, livros mais que sapatos? O respeito a si e ao outro requer alfabetização na linguagem do coração - exige que demos ouvidos aos ruídos que brotam das entranhas e das montanhas.
            Se a ordem colonial e que muitas famílias conservaram era a de acumulação a qualquer custo, manipulando e acobertando atos ilícitos, a novidade que defendemos é a resistência à cultura da omissão. Omissão e submissão rezam na mesma cartilha. É quando ao filho não foi ensinado a assumir, tampouco a se responsabilizar pelos erros.  Ou quando nos assujeitamos às manipulações de mercado, às propagandas que nos influenciam com produtos não saudáveis. Toda escolha é um ato político e exige coragem moral. Cabe aos pais e educadores formar, na criança, o olhar crítico que a defenderá do lixo televisivo e de outras promiscuidades - questionar posturas machistas e preconceituosas. Como os casos de estrupos às estudantes do curso de medicina da USP (Universidade de São Paulo) pelos colegas. A prevenção contra a violência e a corrupção nos remete à castração – como os pais interditam as pulsões perversas dos filhos.  
Como eliminar os mecanismos que viabilizam a corrupção? Como criar as condições culturais para que o desejo de ética se estabeleça? Educar para que brote nas crianças as razões que as levarão a defender a honestidade - seja por escolha ou constrangimento. O declínio da função paterna deflagra o declínio da ética quando sentimentos como constrangimento e vergonha são substituídos por arrogância e cinismo. A cultura da ostentação é uma forma velada de favorecer a corrupção, uma vez que ela prega o culto à aparência e ao espetáculo. O show narcísico dos políticos é caro e exige segurança. O culto ao poder seduz e induz à corrupção - forma tentadora de enriquecimento rápido e vultoso. O perverso gosta de se sentir protegido para agir, roubar. E a política é palco que garante prestígio, fóruns privilegiados.  
Chamar os políticos de ladrões, corruptos, sem-vergonha, é simplificar a questão. Tudo isso faz parte da sexualidade humana, são atos perversos. A perversão significa “versão em direção ao pai”: ela provoca e escarnece a lei para melhor a desfrutar. A velha política exige liderança, aquele que pode tudo - lugar do pai primevo, o que tinha todas as mulheres da horda, o único que gozava. É muito difícil ocupar o poder de forma ética, democrática, pois o poder traz em sua essência a père-version - a versão do pai, o que detem o poder! Contudo, os que não foram educados para respeitar as regras que regem o espaço público são seduzidos pelo poder. Lá eles fazem e acontecem à revelia dos poucos neuróticos que tentam manter a moral, a ética e a lei.
Famílias interessadas em contribuir com a seriedade das instituições, como na defesa e no fortalecimento da democracia, deve se ocupar com a educação sexual e psíquica dos filhos. Quanto mais exemplos dos pais no campo da cidadania e da ética, menor as chances de condutas perversas e corruptas se alastrarem. Ninguém nasce corrupto, perverso e criminoso. O cidadão se torna assim em função da educação que recebe. Não se nasce corrupto, torna-se corrupto. O Brasil sempre cultuou condutas perversas e de desrespeito à coisa pública. Atos antirrepublicanos.
O momento político que vivemos é propício na reafirmação do mundo que sonhamos, como também na qualidade do ser humano que desejamos deixar neste mundo. Ou contribuímos para a transformação ética do país, exigindo da sociedade  reflexão nos valores e posturas que alimentam o ódio à igualdade e à democracia, ou sucumbiremos à barbárie. Pais que não inserem os filhos nas leis civilizatórias acabam compactuando com a cultura da corrupção. Ao se submeterem aos caprichos e mimos dos rebentos, deixam de prepará-los para as interdições, conflitos e frustrações que a vida lhes imporá.
Jacques Rancière, em Ódio à democracia, coloca em xeque políticas liberais que, embora defendam esta forma de governo, deturpam o ideal democrático, seguindo as determinações de uma classe dominante que não aceita perder espaço entre as forças capitalistas. No Brasil pós-eleições, assistimos a uma parcela da população que foi à rua explicitar a obsessão pelo individualismo democrático. Para Rancière, esse conceito é parte do chamado ódio à democracia. Uma classe de abastados que não concorda em contribuir com políticas que visam diminuir as desigualdades sociais, tampouco perder o lugar e as condições de privilegiados. Muitos chegam a surtos e delírios e, sem nenhum pudor, lançam palavras de ordem a favor da intervenção militar. Convocam a ditadura em defesa dos abusos patrimoniais - modelo apropriado pelas oligarquias.
O ódio à expansão de oportunidades aos excluídos deve ser combatido nas salas de aulas e nas famílias. Vida feliz inclui ensino à cidadania. A democratização do Estado é antídoto à delinqüência. A desfaçatez dos políticos e o enriquecimento ilícito são um convite à corrupção. Além de injusto, gera violência e revolta. Ao defendermos direitos, promovemos autonomia e ética.
Neste Natal, recomendamos de presente aos filhos, ética. Interditar a criança em seus atos descabidos e perversos. Reprimir e frustrar é não submissão aos impulsos narcísicos. É prevenção contra a perversão, à violência e ao crime.               






[1] Artigo publicado em 20/11/14 no caderno Pensar do jornal EM. Psicanalista – email:inezlemoss@gmail.com